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Política

Opinião | Escolhas eleitorais e dissonância cognitiva


Por: REDAÇÃO Portal

11/08/2025
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Por Mauricio Rands

​Dificilmente duas pessoas vão concordar sobre todo e qualquer assunto. Mas podem concordar sobre alguns valores que entendam relevantes. Desses valores, podem ser deduzidas escolhas. Nossa sociedade tão dividida está atormentada por fatos recentes de profundo alcance para a vida institucional do país. Esses fatos permitem avaliar a coerência dos principais atores políticos com a retórica que proclamam. Como vivemos um momento de dissonância cognitiva ampliada do eleitorado, talvez estejamos diante de uma oportunidade. Explico-me. Alguns temas têm comandado uma larga rejeição expressa nas pesquisas realizadas por Datafolha, Genial Quaest e Ipesp: tarifaço de Trump e sua tentativa de interferir no STF (57% sãocontra), emendas parlamentares (82% acham que os recursos são desviados), invasões golpistas às sedes dos poderes em 08/01/23(86% são contra), anistia a Jair Bolsonaro (61% rejeitam), prisão do ex-presidente Bolsonaro (48% a favor e 46% contra), atuação do Congresso (78% acham que age mais em benefício próprio) e o motim na Câmara e no Senado, ainda sem pesquisas. No plano internacional, a invasão da Ucrânia pela Rússia, Governo Trump e sua política externa (61% de rejeição), o atentado do Hamas em 07/10, o massacre dos palestinos pelo governo Netanyahu em Gaza são alguns fatos marcantes. Mas, contraditoriamente, pesquisas de intenção eleitoral indicam largo apoio a forças políticas contrárias às opiniões acima reveladas. 

Para superar a dissonância cognitiva entre os valores proclamados e suas escolhas eleitorais, o eleitor bem que poderia abrir um arquivo e nele registrar posicionamentos de candidatos que estarão no próximo cardápio eleitoral. Sobre esses e outros temas que tenham conexão com os seus valores. Se muitos assim agissem, poderiam superar a contradição entre o que dizem nas pesquisas e nas redes e os votos que depositam nas urnas. E a qualidade da nossa representação política poderia melhorar. 

​Existem alguns mitos do senso comum quando se trata de escolhas eleitorais. Entre eles: “o importante é a competência do candidato”; “as boas escolhas devem desconsiderar as ideologias”; “voto no candidato da minha religião”; “voto em quem for a favor da família”; “voto em quem for honesto”;“voto em quem me der alguma coisa”. Ainda que alguns desses fatores sejam considerados na hora da escolha, por que não os compatibilizar com a prática real dos candidatos e as posições que tenham assumido em relação aos valores do eleitor? A correspondência entre prática e valores pode, inclusive, ir além da tradicional clivagem esquerda/direita. Por exemplo, se alguém valoriza a democracia e quer ser consistente com o seu voto, pode não querer repetir o voto num parlamentar que participou dos atos golpistas de 8/1 ou do motim que impediu o funcionamento do Congresso na semana passada. Pode-se continuar votando nos seguintes parlamentares cujos nomes foram encaminhados à Corregedoria Geral da Câmara: Zé Trovão (PL-SC), Marcel Van Hattem (Novo-RS), Marcos Pollon(PL-MS), Julia Zanatta (PL-SC), Paulo Bilynskyj (PL-SP), Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), Nikolas Ferreira (PL-MG), Zucco (PL-RS), Caroline de Toni (PL-SC), Carlos Jordy (PL-RJ), Bia Kicis (PL-DF), Domingos Sávio (PL-MG), Marco Feliciano (PL-SP) e Allan Garcês (PP-MA). Mas não se pode fundamentar esse voto em convicções democráticas. Como disse o Estadão, no seu editorial de 8/8/25, “a punição dos que sequestraram o Congresso a título de livrar a cara de Jair Bolsonaro tem de ser exemplar. Não se pode premiar com a leniência quem atenta contra o funcionamento de um Poder”. Pode-se votar em quem aprovou ou passou pano na agressão americana à soberania nacional, mas fica difícil continuar a se dizer patriota. Talvez da pátria alheia. Pode-se votar em quem apoia o governo israelense que massacra civis e usa a fome como arma de guerra, mas fica difícil continuar a proclamar valores humanistas. Atualmente existem no STF ao menos 35 apurações envolvendo parlamentares, a maioria por desvios nas emendas. Claro que eles só podem ser considerados culpados ao final do processo. Pode-se votar nesses parlamentares, mas dificilmente mantendo convicções contrárias à corrupção.

Sabe-se que as disfunções da nossa representação política são causadas por muitos fatores. O atual sistema eleitoral e partidário reproduz o poder de oligarquias partidárias porque elas organizam o cardápio de candidaturas e a distribuição dos recursos dos fundos públicos, agora acrescidos pelas emendas orçamentárias. O clientelismo, a manipulação de algumas organizações religiosas, a corrupção e o uso das redes sociais com milícias disseminadoras de ódio e mentiras, todos são fatores que explicam a baixa qualidade do Congresso Nacional. Que hoje é rejeitado por 78% que acham que os congressistas atuam mais em prol de seus interesses. Mas, se os eleitores prestassem mais atenção nos posicionamentos dos seus candidatos, seria atenuada a dissonância cognitiva entre votos e valores. 

Maurício Rands, advogado formado pela FDR da UFPE, professor de Direito Constitucional da Unicap, PhD pela Universidade Oxford

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