Opinião | O habeas corpus na terra do tio Sam

Quando se fala em remédios constitucionais, certamente o mais lembrado é o habeas corpus. Porém, pensando na sua aplicação no ordenamento jurídico dos Estados Unidos da América do Norte, estudiosos do constitucionalismo, devem procurar sua origem nas excelências liberais, tendo como pano de fundo a formação inglesa. Anterior a sua independência, a história jurídico-política dos Estados Unidos por si só, aponta qual caminho seria trilhado no campo do direito constitucional relativo à liberdade. Talvez o espólio recebido pelo povo anglo-saxônico da América, forjado na Inglaterra e ter sucedido a povos que de alguma forma passavam em alguns momentos de despotismo, lhes deu um olhar acendrado sobre a liberdade. Naturalmente, ao se lutar pelo direito de forma inerente se luta pela independência, escrevendo previamente sua história.
O manifesto lançado pelas colônias em 4 de julho de 1776, “apelando-se para o Juiz Supremo do Universo”, o que deveria referendar “a retidão de suas intenções”, os representantes externavam e publicavam de maneira solene, “em nome e com autorização do bom povo das colônias”, in the name and by authority of the good people of the Colonies, as mesmas estando unidas, estavam livres e independentes e por direito o deviam ser, and of right ought to be.
Livres das interferências da Coroa da Inglaterra, agora teriam amplas faculdades para fazer a guerra, fomentar o comércio e ditar todas as medidas que por direito próprio podem fazer todos os estados livres, and to do all oteher acts and thing which independente States may of right do. Salientando que as colônias estavam há mais de um ano exercitando o poder soberano, sem existir repúdio expresso do governo britânico.
Não se tem como negar o fascínio da Terra do Tio Sam com relação à liberdade. Até mesmo no período colonial, fatos históricos registram a aplicação do habeas corpus a uma das colônias que não possuía. O ato foi praticado no governo de Spotswood em 1710, sendo aplicado na Virgína. Embora o art. 1° da Constituição dos USA, expressa que o habeas corpus deverá ser impetrado para impedir ou questionar detenções supostamente ilegais – incluindo as relacionadas a questões migratórias -, é um direito que “não deve ser suspenso, a menos em casos de rebelião ou invasão”, visando garantir a segurança dos cidadãos. Segundo os documentos do Centro Nacional da Constituição, o remédio constitucional foi suspenso em quatro momentos da história americana: na Guerra Civil do Século XIX; na Reconstrução da Carolina do Sul, logo após o conflito; nas Filipinas, administradas pelos USA, em 1905, durante um levante; e no Havaí, no ano de 1941, logo depois do ataque japonês contra a base de Pearl Harbor. A recente declaração do senhor Stephen Miller, um dos principais assessores de Donald Trump, causou espanto nada platônico, quando afirmou que a Casa branca está “considerando ativamente” suspender o habeas nos USA. A justificativa apresentada é que o país vive uma “invasão” de imigrantes. Disse ainda, que a Constituição “permite que o habeas corpus seja suspenso quando, em casos de rebelião ou invasão, a segurança pública exigir”. Em sua fala concluiu que “muita coisa depende de os tribunais fazerem a coisa certa ou não”. Será que a fala, pode ser entendida como uma possível ameaça ao Poder Judiciário ou estaríamos fazendo uma hermenêutica equivocada?
Hely Ferreira é cientista político.