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Política

Rancores e responsabilidades


Por: REDAÇÃO Portal

08/01/2024
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Por Maurício Rands

​Escrevo no Dia dos Reis, o 06 de janeiro em que os reis magos, depois feitos santos Melchior, Gaspar e Baltazar, visitaram o menino Jesus recém-nascido. Guiados pela epifania da Estrela de Belém. Fim das festas. Desarmam-se os presépios e os enfeites natalinos. Começa o ano. Na revista Il Venerdi diRepubblica, leio reportagem sobre a saga de Massimo, um marrroquino refugiado há 8 anos vivendo entre os 2 mil moradores das ruas de Milão. Um cotidiano que começa com uma noite de frio mal dormida, em frente a uma loja que vende, a apenas um metro do seu leito improvisado, um sapato de 1490 euros. Massimo fala ao repórter sobre o desprezo com que é tratado, as muitas filas e horários para comer algo nas estruturas oferecidas pela prefeitura, tomar um banho que teve que marcar 4 dias antes, ou ir ao banheiro. Fala dos companheiros de jornada que já morreram no frio das ruas invernais da cidade. E fala da desesperança que lhe acomete, aos 51 anos. 

​Na Revista Piauí de janeiro, uma reportagem sobre a rede social chinesa Kwai mostra como ela conquistou 48 milhões de usuários no Brasil. O modelo é o da disseminação de vídeos curtos com conteúdos muitas vezes falsos. A Kwai impulsionou a candidatura de Bolsonaro mais do que a de Lula. Uma análise interna feita a 20 dias da eleição mostrou que 82% do crescimento do perfil de Bolsonaro na rede foi turbinado com sugestões da própria plataforma para seguir o perfil, contra 46% de Lula. E chegou a criar contas falsas e a clonar contas de outras plataformas. Trata-se de caso raro em que se prova que uma rede social produz conteúdos, muitas vezes irregulares, ainda que contratando uma agência terceirizada. Esses conteúdos falsos comprados pela Kwai e postados em sua rede foram pródigos em fake news sobre urnas eletrônicas, vacinas contra a Covid-10 e intervenção militar. Para a Kwai, vale tudo para conquistar audiência. A matéria faz um diagnóstico de como as práticas irresponsáveis das grandes plataformas acaba por multiplicar os rancores já existentes, ao disseminarconteúdos de ódio, abjetos ou falsos.

​Desde outubro, assistimos relatos sobre as torturas e execuções perpetradas pelos terroristas do Hamas contra as vítimas israelenses do 7 de outubro. Na tv, nas rádios e nos jornais, as cenas do massacre do governo de Israel contra os civis palestinos sob argumento de ser esta a única maneira de atingir os terroristas do Hamas. E ouvimos a reação das pessoas reproduzindo rancores e a lógica binária maniqueísta. Muitos, indignados com os 23 mil civis palestinos mortos e o bombardeio indiscriminado à faixa de Gaza, deixam de criticar a ditadura que o Hamas impõe ao próprio povo e o propósito de destruir Israel. Outros fazem vista grossa aos crimes de guerra cometidos pelo governo de Netanyahu em sua vingança indiscriminada contra todo um povo. 

​Acnur, Médicos sem Fronteiras, Cruz Vermelha, ONGs, Igrejas, sindicatos e tantas outras instituições reúnem pessoas de boa vontade e recursos para aliviar tantos sofrimentos. Outras pessoas, de menos boa vontade, preferem atacar essas instituições. Fazem ou apoiam CPIs como a da Câmara dos Vereadores de São Paulo contra ONGs e contra o padre Júlio Lancellotti, cuja vida é dedicada ao amparo aos moradores de rua de SP. Essas pessoas, além de nada fazerem, ainda atrapalham. Mas nenhum deles deixou de se emocionar nas festas do último Natal. Desejaram o bem às pessoas. Da sua família, de suas bolhas ou do estrito ciclo de amizades, bem entendido. Os moradores de rua, refugiados e deserdados da terra... Ah que desses cuidem os outros. Sobretudo "os governos que consomem tantos impostos"...E os políticos que "nada fazem e são os únicos culpados de tanta iniquidade".

​A epifania dos reis magos bem que poderia se repetir neste 2024. De outra forma. Que nos fossem revelados caminhos e atitudes capazes de atenuar os descaminhos que hoje catalisam tantos rancores e tanta desinformação na internet. E tanta indiferença aos dramas dos moradores de ruas, dos imigrantes e das vítimas do terror das guerras. Não basta culpar os governos e os políticos. E as nossas próprias responsabilidades e culpas?

Maurício Rands, advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford

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