Opinião| Viviane no palco, TCE na plateia

Escrevo como entusiasta da política, que observa o jogo das regras e dos holofotes com olhos curiosos e sem procuração — mas com a alma inquieta diante da criminalização da vida pública.
Nas noites da festa de São João em Gravatá, o palco e a multidão que dançou ao som de Wesley Safadão e João Gomes tiveram a presença de uma figura inesperada: Viviane Facundes — primeira-dama, secretária de Obras e, agora, cotada como pré-candidata a deputada estadual.
A voz firme, sem desafinar, ecoou entre os acordes. Até o próprio Wesley, sem qualquer culpa no cartório, pareceu surpreso e animado com a presença da mulher que desafiava a multidão com coragem. Um gesto que, aos olhos do público, podia soar como celebração. Mas, como tudo na política é examinado com lupa, o que parecia alegria virou motivo de advertência.
Aos meus olhos, foram momentos de espontaneidade. Instantesque transcenderam o cargo que ocupa, mas, em 25 de junho de 2025, o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) emitiu alerta de responsabilização ao prefeito Joselito Gomes, marido de Viviane, apontando possível promoção pessoal com recursos públicos
É legítimo que os tribunais de contas alertem para possíveis irregularidades. A legislação prevê esse tipo de atuação pedagógica, que busca prevenir desvios antes que eles se concretizem. O alerta é uma ferramenta jurídica válida e necessária.
Não estou aqui para deslegitimar o alerta. O TCE cumpre seu papel ao zelar pelo uso responsável dos recursos públicos.
Mas o debate que se impõe vai além do formalismo jurídico e, ironicamente, o “tiro saiu pela culatra”.
A presença de mandatários(as) ou pré-candidatos(as) em festas e eventos não deve ser automaticamente criminalizada. A política também é feita de símbolos, presenças e gestos públicos. Saber como se comportam diante da multidão, como reagem às vaias ou aos aplausos, também é parte do julgamento democrático. Se Viviane tivesse sido vaiada, estaríamos repercutindo sua cantoria com a mesma intensidade?
O fato é que, após o alerta, Viviane Facundes — até então pouco conhecida fora do seu município — se tornou personagem da semana. Ganhou manchetes nos jornais, colunas e atenção redobrada. O que pretendia ser um freio se converteu em amplificador – e a mulher que cantou com Wesley e João Gomespassou a ser conhecida por toda parte.
E mais: ela canta — e, ao que tudo indica, quer cantar mais alto na política.
É legítimo que Viviane ocupe o cargo de secretária. O STF, ao interpretar a Súmula Vinculante 13, já sinalizou que cargos de natureza política, como secretarias, não são atingidos pela vedação do nepotismo — embora caibam sempre os debates sobre a qualificação técnica.
Sua presença no palco não configura, por si só, irregularidade — mesmo que o evento tenha sido custeado com verba pública — desde que não tenha havido uso indevido da estrutura para fins eleitorais. Cabe apurar, com seriedade, se houve abuso ou se foram apenas gestos espontâneos. É preciso reconhecer os limites entre o risco político e o exercício da cidadania.
Faltam 16 meses para as eleições. É tempo demais para que um alerta como esse seja tratado como mecanismo de cerceamento a manifestações pontuais. Cabe ao eleitor julgar, com sua régua, se há exagero, abuso ou apenas empolgação. A sociedade tem o direito de se insurgir na mesma medida que ri e se diverte.
Cantar ao lado de Wesley ou de João Gomes não é crime. Pode até ser um bônus — que, se mal conduzido, vira ônus. Mas não é, por si só, elemento suficiente para criminalização.
E eu, que não a conheço nem a defendo, só peço que a política seja espaço de liberdade, de cultura e de debate honesto. Que o erário seja protegido, sim. Mas que os palcos não sejam interditados por suspeita, e que o controle democrático siga com o povo — pela crítica, pelo voto, pela voz.
Por Delmiro Campos, advogado.