Cidade sem cascos: Novos caminhos para a prática de tração animal no Recife
Embora existam legislações que tratem da proteção dos animais de tração, não há uma única lei federal específica que determine a proibição dessa prática

Foto: Reprodução/brasilpelatracaoanimal_oficial
A tração animal é uma prática antiga na sociedade, com destaque para o seu uso em áreas rurais e de agricultura familiar. No entanto, a atividade cresceu exponencialmente em áreas urbanas, mas sem nenhum tipo de controle por parte do poder público. Situação que nos leva a questionar se o bem-estar animal e humano, assim como a segurança viária, são garantidos enquanto esse ofício é exercido.
No Brasil, embora existam legislações que tratem da proteção dos animais de tração, não há uma lei federal específica que determine a proibição dessa prática. Diante disso, algumas cidades como Recife (PE), Fortaleza (CE), São Lourenço (MG) e Canoas (RS), para citar algumas que já trataram do tema, contam com a sua própria regulamentação acerca da atividade.
De acordo com o Médico Veterinário e Coordenador do Fórum de Bem-Estar e Defesa Animal (Febema), João Marcelo, diversos municípios do Brasil estão trabalhando para erradicar a tração animal, seja com a implantação do cavalo de aço, que são veículos movidos a combustão, energia elétrica ou baterias, e outros estão tentando fazer a inserção dos carroceiros no mercado de trabalho. Na capital pernambucana, o veterinário destaca as dificuldades enfrentadas na implementação da lei.
“Aqui no Recife, eu estou nessa luta desde 2013, quando eu era da Seda [Secretaria Executiva do Direitos dos Animais], e também fui um dos responsáveis por escrever essa lei. Já é a quarta vez que essa execução da lei é adiada. E o que estamos lutando também é a transparência, porque hoje não estamos preocupados apenas em retirar o animal [da rua], nós queremos que ele tenha uma vida digna após a retirada. O ente público não está preparado e não está aceitando que a sociedade participe na construção dessa política pública”, argumenta o veterinário.

O representante dos carroceiros, Marcos Batista de Souza, conhecido como Neno Ferrador, também avalia negativamente a comunicação entre a gestão municipal, os ativistas da causa animal e os condutores de carroças. “O diálogo é zero. Não existe diálogo, né? O que está acontecendo dentro da Seda? Ele chega na sua casa, ele prende seu animal, depois que sobe na boiadeira ali, ninguém vê mais. Desaparece, some. Você não tem direito nem de visitar o animal”, pontua o trabalhador.
Em junho deste ano, a Prefeitura do Recife deu início a um censo para identificar os carroceiros do município e contabilizar os animais utilizados a fim de cadastrá-los em benefícios futuros, como parte do Programa Gradual de Retirada dos Veículos de Tração Animal, que pretende banir a circulação de carroças na capital até 31 de janeiro de 2026.
Na avaliação do Médico Veterinário João Marcelo, a medida não é unânime entre os carroceiros. “Sempre começa com essa tal de fazer o levantamento para cadastrar, só que enquanto eles [prefeitura] não promoverem a explicação a toda a sociedade como se dará o processo, não vai ter nenhum apoio dos carroceiros. Porque agora mesmo a prefeitura da cidade de Recife, ela gastou R$150.800,00 para contratar uma empresa de censo para cadastrar os carroceiros e nós não vimos essa adesão dos carroceiros, porque não está tendo transparência. Tiveram carroceiros que entraram em contato conosco para fazerem suas reivindicações e eles não sabem o que está acontecendo, como é que vai se dar o processo, se é entregar [o animal], se vai pagar, quanto é que vai pagar, como vai inserir o carroceiro em novas capacitações, então é esse o medo que eles têm também”.

Segundo a gestão municipal, a partir de agosto, os profissionais cadastrados serão convocados para comprovar as informações prestadas. Quem atender aos critérios poderá entregar voluntariamente o animal e a carroça em troca de indenização, além de ter acesso a linhas de crédito, capacitação, assistência a vagas de emprego e até possibilidade de ingresso na equipe de limpeza urbana da cidade. Já quem não se cadastrar, perderá o direito aos benefícios e deverá retirar o animal da capital por conta própria, como explica a secretária de proteção e defesa dos animais do Recife, Andreza Albuquerque.
“A Prefeitura tem priorizado ações educativas de conscientização e orientação, tudo isso dentro do Programa Gradual de Retirada dos Veículos de Tração Animal. A gente faz blitz educativa, resgate de animais soltos e combate situações absurdas, como a corrida de carroças em vias movimentadas, como já aconteceu na Avenida Boa Viagem. Nossa meta é clara, então até 2026 o uso de carroças em Recife vai ser proibido e quando a gente flagra irregularidades, a Prefeitura age junto com a polícia para resolver”, defende a secretária.
No Brasil, a realidade dos cavalos que tracionam carroças e charretes é marcada pelo intenso sofrimento físico, mental e comportamental em decorrência de jornadas desgastantes e condições precárias para os animais. Situação que está ligada a questões sociais e econômicas. É que, em suma maioria, os cavalos são utilizados por camadas mais pobres da população, que não possuem as condições necessárias para atender as necessidades básicas deles. Além disso, há uma falta de sensibilidade e conscientização por parte da sociedade acerca do sofrimento dos animais, e omissão de autoridades que não aplicam medidas de regulamentação e fiscalização da atividade.
Por essas razões, enquanto não houver consenso entre poder público, carroceiros, defensores da causa animal e representantes da sociedade civil, o problema irá perdurar no cotidiano do município. É necessário que as ideias e posicionamentos pré-concebidos sejam deixados de lado para que possa existir um diálogo transparente e que enxergue a realidade de todos os envolvidos na prática da tração animal.
Com edição de Daniele Monteiro, sonorização de Lucas Barbosa e produção de Letícia Rodrigues, reportagem Maria Luna.
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