Consciência Negra: heranças africanas no Brasil resistem em meio às violências
Passados 136 anos da abolição da escravatura, o povo negro luta diariamente contra o apagamento de sua memória
Foto: Lula Marques/Agência Brasil
Cultura, dança, literatura, música, artes plásticas e artesanato. Unidas, essas palavras representam algumas das múltiplas heranças africanas no Brasil. Os milhões de arrancados da Mãe África fincaram nestas terras tradições que atravessam os séculos. Mas é bem verdade que, passados 136 anos da abolição da escravatura, o povo negro ainda precisa resistir para que sua memória não seja apagada.
Mais recentemente, essa foi a provocação feita pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) aos participantes, na redação, exatamente no mês em que se celebra a Consciência Negra. Uma oportunidade para refletir sobre o quanto a valorização das heranças africanas no Brasil são impactadas por diferentes tipos de violência.
Realidade
Em 2023, 90% das vítimas do estado eram negras, de acordo com a Rede de Observatórios da Segurança. Para a pesquisadora Dália Celeste, o alto número revela a ausência da população negra e periférica na formulação das políticas públicas.
“No Basil, apesar de a população negra (pretos e pardos, 55,5% segundo o Censo de 2022) representar a maior parte, ela é a mais vulnerável quando se fala de violência. E se a racialidade não é vista como um fator significativo, o cenário só tende a piorar”, aponta.
A violência não é somente física. Na educação, o IBGE mostrou, no Censo de 2022, que os índices de analfabetismo permanecem altos entre pretos e pardos acima dos 15 anos. Esse também foi o público mais afetado pelo abandono escolar no Ensino Médio em 2023: 71,6%. Um número que pode estar relacionado à distância entre a realidade do estudante e o conteúdo programático visto em sala de aula.
O professor de História da Universidade de Pernambuco (UPE) no campus Mata Norte, Mário Ribeiro dos Santos, observa o quanto esses desafios refletem os preconceitos contra os saberes negros, passados 21 anos de sanção da lei que obriga o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas brasileiras (Lei nº 10.639).
“Existem avanços, como algumas editoras e conselhos especializados para publicação de autores negros, por exemplo. Você tem uma produção vastíssima de autores negros e negras de repercussão internacional! Mas os desafios são grandes. A gente precisa, principalmente, enfrentar o racismo epistêmico”, acredita.
Já o professor de história no ensino básico Fabiano Palácio, da ABA Maple Bear, no Recife, vai além. Ele volta 136 anos no tempo para lembrar que a ineficácia de políticas efetivas de combate ao racismo, em especial, negam ao povo negro a manutenção de suas heranças.
"No processo de abolição não foi pensada nenhuma política que incluísse esse povo então livre. É a partir desse processo que a gente identifica o aparecimento do racismo estrutural. Algo extremamente silencioso e velado que está presente e entranhado na construção da sociedade brasileira. E que, na maioria das vezes, passa despercebido", destaca.
Ilustração: Albarte/Rede de Observatórios da Segurança
Resistência
Para enfrentar silenciamentos e se manter de pé, o povo negro resiste desde sempre. No Nordeste, ponto de desembarque de tantas histórias atravessadas pela escravidão, uma iniciativa artística serve como exemplo: o Projeto PEBA - Pernambuco e Bahia, explicado por um de seus idealizadores, o fotógrado Sérgio Figueiredo.
"O Projeto PEBA se trata de uma conexão de artistas baianos e pernambucanos que, nas diversas linguagens artísticas, procuram mostrar como veem essa herança presente na sociedade. Em geral, eu acredito que a cultura popular dos dois estados é totalmente africana", afirma.
Além de Sérgio, a iniciativa também foi idealizada pela pedagoga e arte educadora Williany Amaral, sua companheira, com a ideia de promover a interlocução entre os trabalhos de artistas dos dois estados e fomentar o debate sobre a influência cultural afrodescendente e a luta contra o racismo.
Em sua segunda edição, com atividades até fevereiro de 2025, o Projeto PEBA acontece em diferentes pontos do Recife com exposição fotográfica, mostra de cinema, oficinas educativas e artísticas, rodas de conversa, seminário, lançamento de livros, cortejos e espetáculos.
Foto: Tânia Rego/Agência Brasil
Na celebração da fotografia; do cinema; da música; dos líderes, como Zumbi; e de tantos outros elementos, o Projeto PEBA mostra que valorizar as heranças faz parte de um processo vivo e resistente, porque a ancestralidade é o passado, o presente e o futuro do povo negro.
Sonorização - Djalma Teixeira
Edição - Daniele Monteiro
Reportagem - Lucas Arruda
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