Reduzir a perda dentária no Brasil não depende apenas de ampliar o número de dentistas ou de serviços, mas de garantir acesso igualitário, educação em saúde bucal desde a infância e ainda políticas públicas contínuas

Foto: Reprodução/ Laísa Queiroz/MS/ Via Agência Brasil
Por décadas, o Brasil carregou o estigma de "país dos desdentados", expressão que reflete uma realidade histórica marcada perda dentária em larga escala. Embora o país tenha avançado em políticas públicas e ações de prevenção, o problema persiste e ainda atinge milhões de brasileiros, reforçando o grave recorte social no qual direitos básicos, como a saúde bucal, não são garantidos para todos. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estátistica (IBGE), do ano de 2019, mostram que 34 milhões de brasileiros com mais de 18 anos perderam 13 dentes ou mais, e cerca de 14 milhões de brasileiros vivem sem nenhum dente.
Esse quadro pode ser explicado por um conjunto de fatores que estão interligados, sendo a desigualdade social, determinante. Comunidades de baixa renda, especialmente crianças negras em regiões periféricas ou no interior do Norte e Nordeste, muitas vezes não têm acesso regular à escova, creme dental ou ao atendimento odontológico. Segundo a pesquisa nacional de saúde bucal SB Brasil que coletou dados de 2020 a 2023, 41,18% de crianças com cárie não possuem tratamento adequado no país. Apesar disso, outro dado revelado pela mesma pesquisa mostra que 53,17% das crianças entrevistadas não possuem cárie, o que demonstra uma melhora gradativa ao comparar com os resultados da última pesquisa realizada em 2010 onde 46,6% do público infantil não possuíam a doença. A carência de serviços públicos adequados, aliada ainda à falta de campanhas permanentes em saúde bucal também contribui para que problemas simples evoluam para quadros mais sérios, e que trazem uma análise interseccional.
As consequências não se limitam à estética ou à mastigação. Infecções e inflamações na boca podem provocar complicações sistêmicas sérias, como endocardite e aterosclerose. Pesquisas indicam que até 45% das doenças cardiovasculares e 36% das mortes por problemas cardíacos podem ter origem em infecções dentárias. Gengivite, periodontite, por exemplo, favorecem a disseminação de bactérias na corrente sanguínea, desencadeando processos inflamatórios que afetam diretamente o coração. Assim, fica evidente que o cuidado com a boca é, sobretudo, uma forma de cuidar do corpo inteiro.
O então programa do Governo Federal, Brasil sorridente, que foi lançado em março de 2004 como parte da Política Nacional de Saúde Bucal, trouxe avanços substanciais na saúde bucal dos brasileiros. Ele integrou Equipes de Saúde Bucal à Atenção Primária de Saúde, estabeleceu os Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs), implantou Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias (LRPDs) e promoveu educação e prevenção, com foco nas populações mais vulneráveis. Em 2024, segundo dados do próprio governo, o programa atingiu um recorde de investimento, com um montante de R$ 4,3 bilhões, impulsionando o atendimento e ampliando a rede com cerca de 34 mil e 700 equipes de Saúde Bucal ativas, 1.197 Centros de Especialidades Odontológicas, 3.984 Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias e 441 Serviços de Especialidades em Saúde Bucal (Sesb). Sem dúvidas, o Brasil Sorridente representa não apenas o tratamento do sorriso, mas o resgate da dignidade e da qualidade de vida de milhares de brasileiros. Até que ele fosse criado, há duas décadas, o principal suporte na rede pública era de extração dentária, o que explica o estigma dos desdentados. Vale reforçar que a lei 14.572/23 incluiu de maneira definitiva a Política Nacional de Saúde Bucal no Sistema Único de Saúde (SUS), ou seja, tornou o Brasil Sorridente uma política de estado, que no governo anterior, de Jair Bolsonaro, teve os credenciamento de equipes de saúde bucal paralisados.
O acesso da população ao programa Brasil Sorridente é feito por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), sem a necessidade de inscrição prévia ou custo para o paciente. O primeiro passo é procurar a Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima, onde funcionam as Equipes de Saúde Bucal vinculadas ao programa. Nessas unidades, o dentista realiza procedimentos básicos, como limpezas, restaurações simples e aplicação de flúor, além de orientar sobre hábitos de higiene. Quando o caso exige um tratamento mais complexo como cirurgias bucomaxilofaciais, tratamento de canal, ortodontia ou confecção de próteses dentárias, o profissional emite o encaminhamento para o Centro de Especialidades Odontológicas (CEO) ou para um Laboratório Regional de Prótese Dentária (LRPD), ambos integrantes da rede do Brasil Sorridente. A marcação desses atendimentos é feita pela própria UBS ou pelo sistema de regulação do SUS do município ou do estado, e todo o tratamento, inclusive materiais e próteses, é oferecido gratuitamente.
Mesmo com os avanços voltados à saúde bucal ao longo dos anos, ainda há quem não tenha acesso ao serviço mais básico, por questões diversas. E quando o braço do governo não alcança, o terceiro setor atua para minimizar as carências que ainda acometem parte da população.
Com o intuito de incentivaras práticas corretas referentes a saúde bucal, a Turma do Bem, Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) busca viabilizar e facilitar o atendimento para jovens em situação de vulnerabilidade dos 11 aos 17 anos com tratamento gratuito até atingirem a maioridade; além disso, também é oferecido o atendimento para mulheres vítimas de violência de gênero que tiveram a cavidade bucal comprometida.
Voluntários realizam atendimentos odontológicos periódicos, mutirões de prevenção de prevenção e distribuição de kits de higiene bucal para crianças e adolescentes, promovendo mudanças reais e duradouras nos hábitos e na qualidade de vida. De acordo com a Organização que realiza a ação há 23 anos, aproximadamente 89 mil jovens e 1.100 mulheres já foram beneficiados.
Em Pernambuco, segundo dados da Secretaria Estadual de Saúde, o estado mantém uma rede de atendimento odontológico que inclui serviços ambulatoriais nos hospitais Geral de Areias, Regional de Palmares (Silvio Magalhães) e Hospital Correia Picanço, além de um Centro de Especialidades Odontológicas no IMIP. O estado também conta com 13 unidades de urgência odontológica, distribuídas entre UPAs e hospitais regionais, e 12 hospitais com serviços de Odontologia Hospitalar para casos de maior complexidade, como cirurgias de bucomaxilofaciais e procedimentos sob anestesia geral. Nas unidades básicas de saúde dos municípios, é possível encontrar atendimentos odontológicos básicos, fundamentais para prevenção.
Apesar dos avanços estruturais e do esforço de entidades civis, a realidade mostra que o desafio permanece.
Reduzir a perda dentária no Brasil não depende apenas de ampliar o número de dentistas ou de serviços, mas de garantir acesso igualitário, educação em saúde bucal desde a infância e ainda políticas públicas contínuas. Superar o rótulo de "país dos desdentados" exige um compromisso coletivo que une o poder público, sociedade civil e comunidades na construção de um futuro com mais sorrisos saudáveis e menos desigualdade.
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