Extensão dos Sorrisos: a não obrigatoriedade da odontopediatria no SUS e os caminhos a serem enfrentados
Especialistas apontam como a escassez desse tipo de profissional pode afetar o atendimento especializado de crianças

Foto: Reprodução/Projeto Acolher
Quando se pensa no Sistema Único de Saúde (SUS), é comum lembrarmos de atendimentos médicos, emergências hospitalares e vacinação. Mas, o serviço de saúde gratuito vai além e também desempenha um papel fundamental na saúde bucal da população, desde a infância até a vida adulta.
Dados da Pesquisa Nacional de Saúde Bucal - SB Brasil, referentes a 2020 e 2023, apontam que o número de crianças com cárie sem o tratamento adequado no país corresponde a 41,18%. O levantamento entrevistou 7,1 mil crianças de cinco anos.
Um outro estudo realizado por pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Odontopediatria da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), revelou que o acesso de crianças a tratamentos odontológicos pelo SUS é desigual nas cinco regiões do Brasil. A pesquisa analisou mais de 29 milhões de atendimentos feitos por odontopediatras entre 2008 e 2022 e constatou que as crianças de 0 a 14 anos do Nordeste são as que menos têm acesso a atendimento odontológico especializado.
De acordo com o doutor em odontologia e especialista em saúde pública, Ricardo Lima, essa disparidade no acesso à saúde bucal especializada no Brasil está diretamente ligada ao contexto social e econômico das populações mais vulneráveis.
“As crianças que mais necessitam de tratamento muito especializado de serviços de atenção secundária, são crianças frequentemente em vulnerabilidade socioeconômica. Então, a demanda que a gente pode ter em determinada região, determinado território, ela pode ser um reflexo dessa vulnerabilidade. Eu posso ter crianças em uma situação que demandam mais da atenção secundária e isso cria um contraste de produtividade”, afirma.
A estrutura dos serviços odontológicos para as crianças é um importante aspecto a ser levado em consideração quando falamos sobre odontopediatria no SUS, segundo Ricardo. É que nos Centros de Especialidades Odontológicas (CEOs), espaços que prestam serviços mais complexos de odontologia, a função do odontopediatra não é obrigatória.
“No centro de especialidades hoje, o nosso modelo de saúde bucal não inclui essa especialidade, assim como outras da odontologia. A gente entende que no momento em que ele foi planejado, tinha uma lógica com o conhecimento daquela época. Hoje, a gente já entende que não dá para ficar sem o odontopediatras. Ah, Ricardo, mas as crianças não são atendidas? Elas são, mas não por um especialista em odontopediatria”, explica.
Por não ser uma especialidade obrigatória no SUS, a inserção, ou não, dos profissionais de odontopediatria fica a cargo das gestões locais de cada região do país. Por isso, Ricardo questiona o atual modelo de organização desses serviços, que, segundo ele, desconsidera as especificidades do atendimento infantil e compromete o êxito do tratamento.
“A negligência da odontopediatria vem da falta de reconhecimento dessa demanda. Muitas vezes a criança tem uma demanda que é resolvida facilmente na atenção primária, no postinho, na clínica de saúde da família. Mas o dentista não sabe lidar com o comportamento, não sabe lidar com o atendimento infantil, e essa criança não tem as suas demandas supridas. E na odontologia funciona assim: demanda não suprida se torna uma demanda mais extensa. E se ele já não sabia fazer o básico, a demanda mais avançada é que não vai ser feita mesmo”, argumenta.
Na avaliação de Liana Studart, especialista, mestre e doutora em Odontopediatria e que atua na Policlínica da Criança e do Adolescente, em Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife, o atendimento odontopediátrico oferece à criança um tratamento integral e individualizado, conforme a necessidade de cada paciente.
“Uma vez que, na especialidade de odontopediatria estudamos sobre procedimentos mais complexos, a iniciar pela adequação do comportamento da criança para que a gente possa realizar um tratamento de sucesso, de qualidade, restaurador, mais complexo e que demande mais tempo de cadeira. Tratamentos endodônticos e outras terapias pulpares na dentição decídua, que muitas vezes exigem técnicas mais aprimoradas, que a gente possa se deleitar mais na questão da ciência. Outros procedimentos também seriam cirúrgicos, como cirurgias de frenotomias e frenectomias linguais. Então, vão existir alguns procedimentos que, infelizmente, o dentista generalista não vai conseguir atender, entender e contemplar essa necessidade desses pacientes”, afirma.
Para o presidente do Conselho Regional de Odontologia de Pernambuco (CRO-PE), Eduardo Vasconcelos, se faz necessário um olhar crítico quanto à estruturação da rede de saúde bucal do estado.
“Onde é que uma mãe do Ibura vai procurar uma urgência odontológica caso o filho dela tenha dor de dente? Onde é que o filho dela, que é especial seja com microcefalia, ou síndrome de down, ou autismo ou alguma outra síndrome, vai ter o atendimento continuado? Porque são pacientes que de fato exigem um cuidado mais atento, um cuidado diferente. Muitas vezes ele vai no consultório e precisa fazer uma sedação, seja com óxido nitroso, seja medicamentosa, que o dentista pode fazer isso, mas é preciso que tenha um ambiente com regras, um ambiente controlado, com um cilindro de oxigênio, óxido nitroso, material de reanimação, uma sala de repouso e recuperação do lado, e a gente não tem isso no serviço público aqui em Pernambuco. A gente tem um serviço que faz a cirurgia hospitalar no Hospital Regional do Agreste em Caruaru, mas a gente tem essa dificuldade em referenciar”, revela Vasconcelos.
Uma alternativa que muitas famílias encontram para conseguir acesso ao atendimento odontopediátrico é pelo serviço oferecido por instituições de ensino, seja por meio de ações ou projetos de extensão, como destaca o doutor em odontologia e especialista em saúde pública, Ricardo Lima.
“Hoje, no Brasil, a gente não só conta com a rede pública. É muito comum a gente ter crianças que vão para outros locais quando tem essas demandas, e aí eu cito clínicas, escolas de faculdade que essas crianças conseguem ter esse atendimento. Então, essas iniciativas são o que de fato tem muitos locais sustentado a existência da atuação desse cuidado especializado no Brasil. O único local em que essas crianças encontram de maneira gratuita um adulto pediatra é pelas instituições de ensino”, declara.
Apesar do Sistema Único de Saúde garantir atendimento odontológico às crianças, percebemos que se faz necessária a criação de políticas públicas que possam, de fato, implementar a odontopediatria como uma especialidade essencial na rede de atenção básica. Pois, sem essa garantia, muitas crianças ficam à margem de um direito básico, situação que pode resultar em problemas mais complexos, seja para as famílias ou para o poder público.
Este primeiro episódio da série de reportagens Extensão dos Sorrisos contou com edição de Daniele Monteiro, sonorização de Lucas Barbosa, produção de Letícia Rodrigues e Lucas Arruda, e locução de Maria Luna.
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